Copa do Mundo na Rússia e a NeuroArquitetura Parte I: Identidade dos Estádios
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NeuroArquitetura na Copa do Mundo: Identidade dos Estádios


Por Andréa de Paiva e Fabio Menezes


Você já teve a chance de visitar a Vila Belmiro em Santos, o Camp Nou em Barcelona ou algum dos estádios que foram construídos especificamente para uma Copa do Mundo?  A experiência de assistir um jogo ou show foi diferente dependendo do estádio em que aconteceu? A final da Copa está chegando e são muitas as discussões sobre  a arquitetura dos estádios. Conforme saiu na reportagem “Estádios da Copa perdem a alma por semelhanças exigidas pela Fifa”[1], uma das críticas aos estádios recentemente construídos com a finalidade de atender às especificações da FIFA para a realização da Copa (seja os da Rússia em 2018 ou os do Brasil em 2014) é a falta de identidade. No artigo de hoje discutiremos a identidade dos estádios e sua relação com a NeuroArquitetura.


Estádio Spartak em Moscou
Estádio Spartak em Moscou. Fonte: NeuroAU

Originalmente, os estádios eram (e muitos ainda são) construídos para pertencer ou a algum time, como é o caso do Morumbi, que pertence ao São Paulo, ou a um município ou federação, como Wembley, em Londres, de uso da Football Association. No caso dos estádios particulares, os espaços são projetados considerando a identidade de cada clube, sua história, sua torcida, seus jogadores. É comum, por exemplo, que a fachada e/ou as arquibancadas levem as cores da equipe. Um caso peculiar é o da Arena Allianz, em Munique, que é utilizado tanto pelo Bayern de Munique, quanto pelo Munique 1860 e pela seleção alemã, e a fachada do estádio muda suas cores de acordo com a equipe que irá jogar. 


Por isso, a atmosfera dos estádios difere tanto de um pra outro. Por isso também há identificação dos clubes, torcedores e visitantes com seus estádios. Mesmo em casos nos quais um estádio é utilizado por times rivais, ainda assim há identificação. Um exemplo é San Siro, estádio em Milão, utilizado pelos dois times da cidade, o Milan e a Inter, rivais tradicionais na Itália. Embora ambas façam uso do mesmo estádio, a ocupação se dá de forma distinta, com os ultras (a chamada torcida organizada) das equipes ficando nas arquibancadas opostas, mesmo quando as equipes não jogam entre si. A torcida do Milan tradicionalmente ocupa a chamada curva sud e a da Inter a curva nord. Observa-se, assim, uma relação de identificação e apropriação do espaço do estádio por parte dos frequentadores. 


Estádio San Siro, Milão
Estádio San Siro, Milão. Fonte: Wikipedia

Em um dos estádios que visitamos, o Estádio Spartak, em Moscou, isto se mostrou nas cores da fachada do estádio, vermelho e branco, e na arquibancada, vermelha com os dizeres “95 Anos Spartak” em branco. Além disso, é possível ver no estádio estátuas em homenagem aos fundadores da equipe, ao ex-jogador Cherenkov e ao gladiador romano Spartacus, que deu origem ao nome do time. Tudo isso contribui para fortalecer a relação de identidade do torcedor com o espaço, além de ser um ponto turístico para torcedores de fora.


Estádio Spartak, Moscou
Estádio Spartak, Moscou. Fonte: espncdn.com

Essa identificação com o espaço do estádio gera uma relação complexa e rica entre indivíduos e a arquitetura.  E, como a NeuroArquitetura tem comprovado, espaços que geram identificação vão impactar o cérebro de forma completamente diferente de espaços padronizados comuns, sem identidade própria. Um estádio que gera identificação provoca no cérebro reações emocionais muito mais profundas. Isso resulta em geração de vínculos, em apreciação do espaço ao invés de depreciação, em envolvimento com a história e o clube que ele representa. Um exemplo da relação afetiva com os estádios é o estádio de Highbury, do Arsenal, clube de Londres. O clube se mudou em 2006 para a moderna Arena Emirates, e sua antiga “casa” foi demolida para a construção de um condomínio de apartamentos. Ainda assim, a fachada do estádio foi preservada e mantida como a lateral do condomínio.


Porém, atualmente a arquitetura dos estádios vem mudando. Seja por conta de novos padrões de segurança, padrões gerais da FIFA ou mesmo por conta da evolução tecnológica que impacta o design arquitetônico e as técnicas de construção. Nos últimos anos, clubes como a Juventus, da Itália, o Atlético de Madrid, da Espanha e o Peñarol, do Uruguai, inauguraram novos estádios, e inúmeros clubes ao redor do mundo estão construindo suas arenas. Mas nestes casos, por se tratarem de estádios particulares, a preocupação com a identificação ao clube já surge desde o projeto inicial.


Contudo, outros interesses têm influenciado a construção de novos estádios. A Copa do Mundo é um evento que movimenta bilhões de dólares e, sendo assim, é natural que uma das grandes preocupações da FIFA seja com o consumidor. Ao se oferecer algum grau de padronização da experiência e do espaço, a entidade faz com que o público se sinta “em casa”, reconhecendo estímulos do espaço, como as placas de indicação de assentos e publicidade, o local e formato das lojas, entre outras questões. Isso faz com que a experiência emocional seja mais previsível, o que de certa forma facilita a adesão ao evento e o consumo. Por outro lado, quando ficamos "em casa", trocamos experiências novas, aquele gostoso frio na barriga e a chance de nos surpreendermos por conforto e previsibilidade.


Conforme a NeuroArquitetura vem destacando, o processo de ser surpreendido é fundamental para a atenção e para a formação de memórias.  É muito mais fácil lembrar do dia em que chegamos em casa e fomos recebidos com um jantar surpresa do que algum outro dia que chegamos em casa e seguimos com a mesma rotina de sempre. É a surpresa uma das principais ferramentas para alterar nosso estado emocional (para bem ou para mal).  Nas palavras do neurocientista David Eagleman, “quando o mundo é previsto, não há necessidade da consciência porque o cérebro está fazendo bem o seu trabalho. A consciência de seu ambiente só ocorre quando os inputs sensoriais violam as expectativas”[2]. Sem emoção e atenção, a experiência e as memórias se enfraquecem [3]. E no caso dos estádios, é exatamente o oposto disso que as pessoas procuram. Elas querem se emocionar, gritar, interagir e lembrar.


Por isso, é comum o que aconteceu no Brasil, que mesmo com a construção da moderna Arena Pernambuco para a Copa do Mundo de 2014, os clubes Santa Cruz e Sport preferiram continuar mandando suas partidas em seus antigos estádios. Isto ocorre também com outros clubes, e geralmente seus dirigentes citam, além do aspecto financeiro, a relação entre os torcedores e o estádio. Mas isso pode resultar em Estádios subutilizados [4].


Afinal de contas, qual é a solução para o problema de falta de identidade dos novos estádios? A resposta para essa pergunta é simples.  Cabe aos envolvidos, desde os arquitetos e neuroarquitetos até as federações, clubes e torcedores,

tentar buscar o equilíbrio de interesses entre todos aqueles que utilizam os espaços dos estádios.  Nesse sentido, a NeuroArquitetura pode ajudar não só como ferramenta para o design de estádios mais impactantes, mas também como uma ferramenta para compreensão e convencimento. É preciso compreender o impacto da identificação entre torcedor, clube e estádio, de forma a analisar como estas características afetam tanto a presença de público quanto a experiência particular nos estádios. É preciso convencer os envolvidos sobre a importância e os benefícios da construção de estádios que evoquem emoções, que surpreendam e que envolvam seus visitantes. Os clubes terão um ganho econômico e técnico, com uma torcida mais presente e envolvida com o jogo, e os torcedores poderão ter uma experiência única e inesquecível, para além do que ocorrer dentro de campo.


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Nosso autor convidado, Fabio Menezes dos Anjos, é psicanalista, mestre em psicologia clínica pela USP, participou das formações clínicas do Forum do Campo Lacaniano, atende em consultório há 8 anos e já trabalhou também no contexto de projetos sociais, dependência química, esporte, entre outros. Pesquisa principalmente nas áreas de Esporte, Sociedade e discursos.



Referências:


[2] EAGLEMAN, D. (2011) Incognito: The Secret Lives of the Brain. New York: Pantheon Books


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