Os Olhos do Corpo: percepção, sensorialidade e a NeuroArquitetura
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Os Olhos do Corpo: percepção, sensorialidade e a NeuroArquitetura

Por Andréa de Paiva


Você já parou para pensar como seria o mundo se o sentido da visão não existisse? Como seriam apreciadas a dança e a pintura? Quais seriam os padrões de beleza? Como nos relacionaríamos com os outros? Com quais grupos nos identificaríamos? No artigo de hoje vamos discutir como utilizamos nossos sentidos para nos relacionar com o mundo sob a ótica da NeuroArquitetura.

Olho na mão. Fonte: darkfiber.com
Fonte: darkfiber.com

Desde a Antiguidade, a visão é um sentido que foi muito valorizado. Filósofos como Heráclito, Platão e Aristóteles discutiram em seus textos a importância da visão em comparação com outros sentidos. Com o passar dos anos e o desenvolvimento de tecnologias como a impressão gráfica, a máquina fotográfica e o computador, nós ficamos ainda mais dependentes da visão. Expressões como "ver para crer" e "em terra de cego quem tem um olho é rei" ilustram a supervalorização desse sentido.


Mas será que a visão é realmente o sentido mais importante? Para responder esta questão vamos fazer uma breve análise de como o cérebro processa as informações captadas por alguns dos órgãos sensoriais.


O nosso cérebro dedica cerca de 30% do seu córtex para o processamento da visão. Ou seja, esse sentido consome muita energia e ocupa uma área extensa do cérebro. Além disso, a visão não é processada de uma vez de forma igualitária por essa região. Pelo contrário, essa área se divide em sub-zonas especializadas. Cada uma delas tem uma função específica, tal como identificar os formatos, a localização dos objetos, as cores e até mesmo os rostos das pessoas. Além disso, a neurociência já comprovou que o córtex não é a única área envolvida com o processamento da visão. Áreas mais primitivas também se envolvem nesse processo, ajudando a identificar e reagir às expressões faciais, principalmente àquelas que podem significar perigo para o indivíduo, como a raiva [1].

Vestido branco e dourado ou azul e preto

Apesar do nosso cérebro dedicar tanto espaço e energia para o processamento da visão e da nossa famosa expressão "ver para crer", é possível perceber que nem sempre ela é um sentido tão confiável assim. São muitas as ilusões de ótica que enganam facilmente esse sentido, tal como o famoso vestido que alguns enxergam azul e preto e outros dourado e branco. A visão não é o único sentido que utilizamos para perceber o mundo ao nosso redor e, talvez, não seja nem o mais importante para o cérebro.


A audição é nosso sentido de maior alcance. Dependendo da intensidade do som, ele pode ser ouvido a quilómetros de distância. Além disso, alguns sons podem influenciar nossas ondas cerebrais [2], nossas emoções, os batimentos cardíacos e até mesmo a respiração [3]. Algumas músicas, por exemplo, podem ajudar a relaxar, enquanto outras nos deixam mais acordados e agitados. Outras podem até provocar um arrepio na espinha e nos fazer chorar de emoção. Mas não são só as músicas que impactam nosso cérebro e comportamento. A poluição sonora constante pode gerar severos impactos na saúde e bem estar, influenciando o funcionamento do ciclo circadiano (nosso relógio biológico), o ritmo da respiração, a cognição e, até mesmo, os batimentos cardíacos.


O olfato, por sua vez, é um dos nossos sentidos mais antigos. Ele tem o importante papel de nos ajudar a encontrar comida. Muitas vezes não precisamos ver o restaurante na esquina da nossa rua para saber quando estão fritando um suculento bife na cozinha. Sentimos o cheiro e automaticamente nosso estômago começa a roncar e fica muito mais difícil nos concentrarmos no que estávamos fazendo. Isso porque o cheiro ativa nosso hipotálamo, que ajuda a controlar, entre outras coisas, a fome. Mas a importância do olfato não para por aí. Não adianta achar comida e não saber avaliar se ela está estragada. Por isso o olfato é tão sensível a cheiros ruins, provocando nojo e uma vontade de se afastar da fonte desse cheiro.


A região que processa esse sentido também está diretamente conectada com importantes áreas do cérebro como o hipocampo (responsável pelo processamento das memórias) e a amígdala (responsável pelo processamento das emoções) [4]. Por isso é tão comum, quando sentimos um cheiro da nossa infância, que as memórias daquela época voltem automaticamente. Áreas como o neurobranding sabem usar bem essa característica da nossa percepção para criar memórias e associações com as marcas, por exemplo.

O tato é outro sentido bastante antigo e o primeiro que se desenvolve, quando o bebê ainda está no útero da mãe. Além disso, ele possui o maior órgão sensorial de todos: a pele. Conforme vem sendo discutido há bastante tempo, o tato possui uma relevância que vai além da mera percepção do que está acontecendo ao nosso redor. O contato físico é importante para gerar conexão. Aperto de mão, beijo na bochecha, tapinha no ombro, carinho, abraço, esses gestos nos aproximam uns dos outros, criando maior vínculo social.


O contato físico também tem um papel importante para nosso desenvolvimento na infância e para nossa saúde da fase adulta. O psicólogo Harry Harlow, em 1958, percebeu como os macacos bebês preferem o contato físico com algo que lembre o colo da mãe do que com uma superfície fria que contenha o leite para sua alimentação [5]. Além disso, bebês recém-nascidos que recebem mais colo costumam crescer mais rápido e sair do hospital antes. Adultos internados em hospitais e que são mais tocados pelos enfermeiros tendem a apresentar menos estresse, resultando em baixa na pressão sanguínea e menor sensibilidade à dor.


Mas como os arquitetos e designers podem fazer uso desse conhecimento nos seus projetos aplicando a NeuroArquitetura? Antes de mais nada, precisamos perceber que nós supervalorizamos a visão frente aos outros sentidos. Muitos dos projetos de arquitetura que nos servem de inspiração nós só conhecemos através de fotos nos livros ou na internet. Nós não tivemos a chance de sentir o cheiro daquele lugar. Ou ouvir como suas paredes abafam os sons. Ou de tocá-lo. Dessa forma, analisamos a beleza apenas através da visão. Ao imaginar o design, nós criamos uma imagem mental antes de passar para o papel. Em geral, essa imagem vai ser como as que vimos nos livros, apenas visual.


Porém, ao estudar os sentidos, que não se limitam aos 5 que aprendemos na escola (sim, existem outros, como a propriocepção e a interocepção), os arquitetos e designers devem se treinar a explorar ainda mais elementos que estimulem cada um dos sentidos. Ao imaginar seu projeto com um piso de madeira, por exemplo, não basta visualizar a aparência estética. Arquitetos e designers têm que imaginar o som dos passos naquele piso, a temperatura dele ao se pisar descalço e até mesmo o cheiro que ele vai deixar no ambiente. Nosso cérebro foi programado para viver na natureza, que é extremamente rica em estímulos para todos os sentidos. A arquitetura tem que ser uma extensão disso, não uma quebra, uma interrupção.


Finalmente, os arquitetos devem focar em objetivos específicos ao projetarem aplicando a NeuroArquitetura para os sentidos. Que sensações queremos provocar em cada ambiente do nosso projeto? Mesmo sabendo a importância do tato e como a criação de ambientes aconchegantes pode estimular esse sentido positivamente, ainda sim, em determinados casos, provocar sensações opostas pode ser intensional e útil. Um hall de entrada mais frio pode aumentar a percepção de acolhimento de uma sala quentinha e acolhedora devido ao forte contraste. Por isso, é importante que os arquitetos e designers não apenas entendam como cada sentido pode afetar o bem estar e o comportamento das pessoas, mas que tenham estratégias e intenções bem definidas para conseguir provocar as sensações mais adequadas.



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Referências:



[3] GOLDHAGEN, S.W. (2017) Welcome to Your World: How the Built Environment Shapes Our Lives. New York: HarperCollins.

[4] DOOP, M., MOHR, C., FOLLEY, B., BREWER, W., PARKO, S. (2006) Olfaction and memory. DOI: 10.1017/CBO9780511543623.006.



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