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Dopamine Design: Alegria ou Simplificação da Neurociência?

Por Andréa de Paiva


Você já ouviu falar em Dopamine Design? Essa tendência emergente se espalha por várias áreas do design (da moda e design gráfico ao design de produtos, UX e design de interiores), baseando seus princípios (e seu nome) em descobertas científicas para criar ambientes envolventes, agradáveis e estimulantes. Em sua essência, o Dopamine Design busca ativar o sistema de dopamina do cérebro, que desempenha um papel fundamental na motivação, na recompensa e no prazer (entre outros aspectos que exploraremos neste artigo).


A ideia levanta questões importantes sobre como a pesquisa científica está sendo usada para justificar escolhas de design e comercializar projetos. Então, vamos dar uma olhada mais de perto: essa abordagem realmente melhora o bem-estar ou é apenas mais um termo da moda que prioriza o engajamento em detrimento das reais necessidades humanas? Estamos projetando espaços que realmente nos apoiam ou simplesmente desencadeamos momentos passageiros de prazer que nos fazem voltar para mais?


Vamos começar entendendo um pouco mais sobre a ciência por trás dessa ideia.


A dopamina foi identificada pela primeira vez em 1958, por Arvid Carlsson e Nils-Åke Hillarp no Instituto Nacional do Coração da Suécia. É um neurotransmissor essencial para diversas funções cerebrais. Produzida em diferentes regiões do cérebro, a dopamina desempenha um papel chave em processos como cognição, movimento, regulação do sono, humor, atenção e motivação (Schrader, 2018). Como geralmente está associada a sentimentos de prazer, tendemos a pensar que quanto mais dopamina, melhor. No entanto, qualquer coisa (mesmo algo benéfico) de forma desequilibrada pode levar a efeitos negativos para nosso organismo. Isso também se aplica aos níveis de dopamina. De fato, seu papel no reforço de comportamentos a torna uma peça fundamental no processo de dependência.


Isso se torna particularmente evidente quando consideramos como a dopamina interage com dois sistemas interconectados que direcionam nosso comportamento: "desejo" e "prazer" (Berridge, Robinson, & Aldridge, 2009). A dopamina alimenta o sistema de desejo, nos impulsionando a agir, enquanto o sistema de prazer é responsável pela sensação de satisfação. No entanto, como o sistema de desejo é mais forte que o sistema de prazer, uma liberação rápida e alta de dopamina não leva necessariamente ao prazer. Em vez de parar quando estamos satisfeitos, muitas vezes somos impulsionados a buscar mais, criando um ciclo que pode contribuir para a dependência. Seja nas redes sociais, nos jogos, nas compras ou até mesmo em estratégias de design que exploram o sistema de recompensa do nosso cérebro de forma rápida e desequilibrada, esse mecanismo pode nos manter em uma busca incessante pela próxima dose de dopamina.


A ativação do nosso sistema de recompensa é sempre negativa ou sempre leva à dependência?


Claro que não! Como mencionei antes, o equilíbrio é fundamental. Engajar-se em atividades que gostamos e manter hábitos saudáveis, como o exercício, naturalmente aumenta os níveis de dopamina de uma maneira que melhora o humor e sustenta a motivação ao longo do tempo. O segredo é evitar o "prazer barato": aqueles picos rápidos de dopamina desencadeados por coisas como o uso de drogas ou até mesmo a gratificação instantânea de rolar pelas redes sociais ou receber uma notificação de que alguém curtiu sua foto. Esses picos rápidos e elevados de dopamina podem criar um ciclo de desejo por mais, em vez de satisfação genuína, tornando crucial priorizar o bem-estar a longo prazo em vez de momentos passageiros de prazer.


Ok, mas o que tudo isso tem a ver com o design espacial?


No campo da neuroestética, pesquisas mostraram uma ligação interessante entre nossa percepção de beleza e a ativação do sistema de recompensa do cérebro (Di Dio, Macaluso, & Rizzolatti, 2007; Ishizu & Zeki, 2011; Wald, 2015). Isso sugere que os espaços que projetamos têm o poder de desencadear a liberação de dopamina, influenciando diretamente como as pessoas se sentem, se comportam e interagem com os outros e com o ambiente ao seu redor. Quando um ambiente é visualmente atraente, envolvente ou estimulante, ele pode ativar esse sistema de recompensa, fazendo com que queiramos permanecer por mais tempo, voltar com mais frequência e até desenvolver uma preferência por certos espaços. Isso destaca a responsabilidade do design: além da estética, ele tem um impacto profundo na experiência humana, no comportamento e no bem-estar.


No entanto, assim como nos meios digitais ou produtos de consumo, o uso excessivo de elementos de design que acionam a dopamina (como novidade excessiva ou superestimulação) pode criar ambientes que priorizam a excitação a curto prazo em detrimento do bem-estar a longo prazo. A superestimulação pode aumentar nossa carga cognitiva, levando ao aumento dos níveis de estresse e contribuindo para o cultivo do estresse crônico. Isso levanta questões importantes: estamos projetando espaços que realmente apoiam o florescimento humano, ou estamos apenas criando ambientes que mantêm as pessoas viciadas?


No mundo de hoje, onde as populações de muitos países estão se tornando cada vez mais urbanizadas e menos conectadas aos ambientes naturais, as pessoas também estão mais sobrecarregadas por informações, mais dependentes das redes sociais, mais expostas à luz artificial que prejudica a qualidade do sono, mais sedentárias e, como resultado de tudo isso e mais: mais estressadas. Diante desses desafios, é mais importante do que nunca que nossos ambientes construídos não reforcem hábitos prejudiciais ou ofereçam apenas estímulos superficiais e de curto prazo. Em vez disso, eles devem apoiar ativamente nossas necessidades mais fundamentais, proporcionando equilíbrio, espaço para pausas e recarga de energia, oportunidades para restauração cognitiva e elementos de design que estejam alinhados com nossos ritmos biológicos naturais.



O conceito de dopamine design é inteiramente ruim?


Não necessariamente. Ele originou-se da tendência do TikTok chamada "dopamine dressing," que promovia o uso de roupas que fazem você se sentir bem. Como Ingrid Lee coloca muito bem, "a ideia básica por trás do dopamine decor é (...): pequenas mudanças estimulantes no seu ambiente podem ter uma influência significativa no seu senso diário de alegria e bem-estar" (Lee, 2024). Este é um princípio chave a ser aplicado no design espacial e pode ter um resultado muito positivo na experiência dos usuários. Além disso, a ideia de que o enriquecimento sensorial (Sona, Dietl, & Steidle, 2019) e ambiental (Sampedro-Piquero et al., 2018) são importantes para o bem-estar mental também é apoiada por estudos científicos. De fato, diferentes qualidades espaciais foram estudadas e mostraram afetar positivamente nosso humor, desde a percepção de beleza visual ou sonora (Ishizu & Zeki, 2011), até luzes e cores mais quentes (Yildirim, Hidayetoglu, & Capanoglu, 2011) e exposição a ambientes naturais (Bratman et al., 2019). Essas não são apenas escolhas estéticas ligadas a uma tendência de design passageira, são princípios fundamentais que devem orientar a tomada de decisões de design. No seu núcleo, o design espacial é sobre as pessoas, e o bem-estar delas deve estar sempre no centro das nossas escolhas.


Qual é o problema?


O verdadeiro problema surge quando observamos como o dopamine design está sendo aplicado em alguns ambientes físicos. Para além das imagens do Google de projetos sob essa tendência, que mostram cores brilhantes e saturadas, padrões ousados e uma sobrecarga de informações visuais, até suas descrições enfatizam a estimulação de alta energia. Por exemplo, o Medd Design o define como "uma abordagem de design focada em cores vibrantes, padrões energéticos e elementos que evocam alegria e bem-estar", e Saniya Kantawala o descreve como “tudo sobre cores vívidas, padrões que se chocam, maximalismo e pura felicidade" (Gopal Rao, 2023). No Washington Post, eles chegam a dizer: “se você estiver usando o TikTok como guia, a maioria dos cômodos que aparecem na busca por 'dopamine decor' seriam considerados excessivos, até para a internet. Sofás rosa choque estilo Pepto; banquinhos em forma de doces do Candyland — os tipos de espaços excessivamente cartunescos que poderiam nos dar uma dor de cabeça em minutos” (O'Shea-Evans, 2025).


Isso não é enriquecimento sensorial, é sobrecarga sensorial. Em vez de aprimorar o ambiente de maneira cuidadosa para apoiar o bem-estar, esses espaços correm o risco de sobrecarregar os sentidos, potencialmente levando à fadiga, distração ou até estresse, em vez de alegria e motivação. Embora o design estimulante possa ser benéfico nos contextos certos, o excesso de cores ousadas, padrões e elementos de alta intensidade pode criar ambientes que se sentem caóticos, em vez de estimulantes. O desafio, então, é encontrar o equilíbrio, usando o design para engajar e inspirar sem ultrapassar o limite da superestimulação.


O Dopamine Design e sua ênfase na estética de alta estimulação podem ser eficazes na moda, design de produtos, UX para sites e design gráfico, onde visuais ousados aumentam o engajamento sem efeitos duradouros. No entanto, a principal diferença está no tempo de exposição. Não habitamos sites, logos ou embalagens de produtos por horas todos os dias, mas passamos tempo significativo em nossas casas, locais de trabalho e outros ambientes construídos. Ao contrário das roupas, que mudamos com frequência, nossos arredores permanecem relativamente estáticos. Isso torna essencial ser mais intencional sobre quais estímulos introduzimos, onde os colocamos e como interagem com o ambiente como um todo. No design espacial, a superestimulação não é apenas uma experiência passageira, ela molda o bem-estar, a função cognitiva e o conforto a longo prazo.


Projetar um ambiente maximalista e superestimulante não é necessariamente algo ruim.


O impacto de tais espaços depende completamente do contexto. Enquanto um ambiente de alta energia e visualmente estimulante pode ser benéfico em certas situações, em outras, pode parecer sobrecarregado ou até contraproducente. Por isso, uma abordagem cuidadosa e orientada pelo contexto é crucial ao aplicar esses princípios no design espacial. Mesmo nos casos em que um ambiente superestimulante tem um propósito, é importante reconhecer que os seres humanos prosperam no equilíbrio e têm necessidades sensoriais diversas. Incorporar variedade e oferecer espaços de fuga (áreas que proporcionam alívio da estimulação intensa) pode tornar esses ambientes mais inclusivos e apoiar melhor o bem-estar geral.


É por isso que arquitetos e designers devem ir além de sua expertise no ambiente físico e desenvolver uma compreensão mais sistêmica de como os seres humanos experimentam o espaço, nossas necessidades biológicas em relação aos nossos arredores e os fatores que contribuem para o bem-estar cognitivo. Essa perspectiva holística está no cerne da neuroarquitetura e do design informado pela ciência — garantindo que as decisões de design sejam baseadas em uma consciência mais profunda de como os espaços impactam a saúde humana e o bem-estar a longo prazo.


O impacto social dos ambientes que criamos é imenso, e com isso vem uma grande responsabilidade. Arquitetos e designers moldam os cenários onde a vida acontece, influenciando como as pessoas se sentem, se comportam e interagem no dia a dia. No entanto, o design espacial não é apenas sobre criar espaços; também é sobre comunicar ideias e apresentar projetos aos clientes. Afinal, se não comunicarmos eficazmente o valor do nosso trabalho, talvez nunca tenhamos a oportunidade de trazer esses projetos à vida.


Dito isso, devemos ter cuidado sobre como usamos e apresentamos conceitos científicos aos clientes e ao público — especialmente quando se trata de ciência aplicada. Títulos como Dopamine Design ou mesmo NeuroArquitetura podem ser intrigantes e comerciais, mas não devem ser usados apenas como palavras de efeito para vender ideias incompletas ou simplificadas. Se fizermos referência a estudos científicos, devemos entender seu contexto: Quem eram os participantes? Quais metodologias foram usadas? Quais foram as limitações? Sem essa compreensão crítica, corremos o risco de espalhar meias-verdades, alimentar equívocos e criar expectativas irreais sobre o que o design pode realmente alcançar.

Para Concluir


O Dopamine Design chama atenção para a conexão entre o design e a experiência humana, extraindo da neurociência para criar ambientes mais envolventes e estimulantes. No entanto, como qualquer tendência que se utiliza da ciência, ele exige aplicação cuidadosa e compreensão crítica. O desafio está em distinguir a estimulação enriquecedora da superestimulação avassaladora, garantindo que criemos espaços que realmente suportem o bem-estar a longo prazo, em vez de apenas fornecer explosões passageiras de prazer.


Como arquitetos e designers, nosso papel não é apenas criar espaços visualmente atraentes, mas moldar ambientes que melhorem a saúde humana, a cognição e a qualidade de vida como um todo. Isso significa ir além das interpretações superficiais de conceitos científicos e garantir que nossas escolhas de design estejam fundamentadas em uma compreensão profunda das necessidades biológicas, cognitivas e emocionais humanas.


Em última análise, o design espacial é sobre equilíbrio. Embora ativar o sistema de recompensa do cérebro possa ser benéfico, isso deve ser feito com intenção e responsabilidade. Em vez de seguir tendências, devemos priorizar estratégias baseadas na ciência que promovam ambientes onde as pessoas não apenas sintam alegria momentânea, mas prosperem a longo prazo.


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Gostaria de agradecer à aluna Hebe Arruda por ter trazido este tema para discutirmos em aula. Foi uma oportunidade valiosa para aprofundarmos a reflexão sobre como conceitos da neurociência são incorporados ao design e como podemos usá-los de forma responsável para criar espaços que realmente promovam o bem-estar.



Referências:

Berridge, K. C., Robinson, T. E., & Aldridge, J. W. (2009). Dissecting components of reward: 'liking', 'wanting', and learning. Current Opinion in Pharmacology, 9(1), 65–73. https://doi.org/10.1016/j.coph.2008.12.014


Bratman, G. N., Anderson, C. B., Berman, M. G., Cochran, B., de Vries, S., Flanders, J., Folke, C., Frumkin, H., Gross, J. J., Hartig, T., Kahn, P. H., Jr, Kuo, M., Lawler, J. J., Levin, P. S., Lindahl, T., Meyer-Lindenberg, A., Mitchell, R., Ouyang, Z., Roe, J., Scarlett, L., … Daily, G. C. (2019). Nature and mental health: An ecosystem service perspective. Science Advances, 5(7), eaax0903. https://doi.org/10.1126/sciadv.aax0903


Cancilla, J. (2024). The surprising science behind the dopamine decor trend. Elle Decor. https://www.elledecor.com/design-decorate/trends/a63250266/dopamine-decor-trend/


Di Dio, C., Macaluso, E., & Rizzolatti, G. (2007). The golden beauty: Brain response to classical and Renaissance sculptures. PLoS One, 2(e1201). https://doi.org/10.1371/journal.pone.0021852


Gopal Rao, R. (2023). Move over Barbiecore! Dopamine decor is the new playful trend. Architectural Digest India. https://www.architecturaldigest.in/story/move-over-barbiecore-dopamine-decor-is-the-new-happiness-trend/


Ishizu, T., & Zeki, S. (2011). Toward a brain-based theory of beauty. PLoS One, 6(7), e21852. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0021852


Lee, I. (2024). Does dopamine decor really work? Aesthetics of Joy. https://aestheticsofjoy.com/dopamine-decor/


O'Shea-Evans, K. (2025). ‘Dopamine decor’ is the anti-trend trend that can boost your mood. The Washington Post. https://www.washingtonpost.com/home/2025/02/11/dopamine-decor-interior-design-trend/


Sampedro-Piquero, P., Álvarez-Suárez, P., Moreno-Fernández, R. D., García-Castro, G., Cuesta, M., & Begega, A. (2018). Environmental enrichment results in both brain connectivity efficiency and selective improvement in different behavioral tasks.


Schrader, J. (2018). The dopamine seeking-reward loop. Psychology Today. https://www.psychologytoday.com/us/blog/brain-wise/201802/the-dopamine-seeking-reward-loop


Sona, B., Dietl, E., & Steidle, A. (2019). Recovery in sensory-enriched break environments: Integrating vision, sound and scent into simulated indoor and outdoor environments. Ergonomics, 62(4), 521–536. https://doi.org/10.1080/00140139.2018.1491643


[MEDD Design]. (n.d.). Dopamine decor. MEDD Design Blog. https://www.medd-design.com/pt/blog/dopamine-decor/


Wald, C. (2015). Neuroscience: The aesthetic brain. Nature, 526(7572), S2–S3. https://doi.org/10.1038/526S2a


Yildirim, K., Hidayetoglu, M. L., & Capanoglu, A. (2011). Effects of interior colors on mood and preference: Comparisons of two living rooms. Perceptual and Motor Skills, 112(2), 509–524. https://doi.org/10.2466/24.27.PMS.112.2.509-524



1 Comment


em delfos, na antiga grécia havia uma inscrição que dizia Μηδὲν ἄγαν, nada em, excesso! issso vale para para tudo. essa ideia de um espaço energetico, tende a não funcionar, por um aspecto da gestalt, saturação!!! o cerebro não gosta de confusão, desorganização e excesso. dá trabalho. e o cérebro é um pão duro em energia.

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