Por Andréa de Paiva
Quem nunca se sentiu perdido nos corredores de um hospital ou de uma escola? Ou então nas ruas de uma grande cidade quando estava sem GPS? Nossa sobrevivência como espécie está diretamente ligada à nossa capacidade de orientação nos espaços: precisamos reconhecer territórios seguros e familiares onde podemos relaxar e, também, conseguir circular por territórios desconhecidos ou ameaçadores nos quais precisamos nos manter alertas. No artigo de hoje discutiremos a importância da orientação no espaço e como a NeuroArquitetura pode ajudar os arquitetos a criar lugares (edifícios e cidades) que facilitem o sentido de orientação das pessoas.
Segundo estudo do Spatial Thinking Lab da Universidade da Califórnia de Santa Bárbara, a cognição espacial não só varia de pessoa para pessoa, como também ela é diferente em homens e mulheres [1]. De acordo com este estudo, os homens têm maior tendência de pegar atalhos e chegar mais rápido, enquanto as mulheres seguem rotas aprendidas. Ainda assim, nosso cérebro é plástico [2], isto é, se transforma conforme o utilizamos. Nesse sentido, se o treinarmos a se orientar melhor, essa habilidade deve melhorar. Por outro lado, se nos acomodamos e passamos a depender de um GPS para circular pelos lugares, não estaremos treinando o cérebro. Dessa forma, quando o GPS não funcionar, teremos ainda mais dificuldade em nos localizarmos no espaço. Mas como, afinal, o processo de orientação espacial acontece no cérebro? Os cientistas John O'Keefe, May-Britt Moser and Edvard Moser, vencedores do Nobel de Medicina e Fisiologia de 2014, descobriram o que é chamado de sistema de "GPS cerebral". Isso mesmo, o Nobel de medicina de 2014 foi na área da neurociência aplicada à arquitetura. Esses cientistas descobriram que duas áreas no cérebro estão diretamente ligadas à capacidade de orientação: o hipocampo e o córtex entorrinal.
O cientista John O'Keefe, em 1971, descobriu a primeira pista para revelar nosso sistema de GPS cerebral: as células de localização (ou place cells em inglês) [3]. Ele gravou a atividade das células nervosas no hipocampo enquanto ratos se movimentavam pelo espaço. Nesse estudo, ele percebeu que diferentes células se ativavam de acordo com a posição dos ratos em relação ao ambiente. Assim, o cérebro formava um mapa interno que permitia aos ratos identificar sua localização.
May-Britt e Edvard Moser, por sua vez, estudaram uma região cerebral muito próxima ao hipocampo, o córtex entorrinal [4]. Eles perceberam que as células nervosas nesta região não se ativavam em apenas um lugar e, sim, quando os ratos passavam por várias localizações. Cada uma dessas células se ativava em padrões únicos e, em conjunto, elas formam um sistema de coordenadas. Esse sistema de células rede (ou grid cells, em inglês) é responsável pela navegação espacial. Juntos, o sistema de células de localização e o sistema de células rede tornam possível nossa orientação e navegação pelos ambientes, atuando como um GPS cerebral. Mas quais são os impactos de um espaço desorientador no comportamento das pessoas que por ele passarem? Antes de mais nada, a orientação pelo espaço está diretamente ligada ao nosso instinto de territorialidade. Esse é um comportamento bastante primitivo e não acontece só com humanos. Vários tipos de animais marcam seu território, tais como os felinos e os lobos. O cérebro foi programado para reconhecer seu território e, consequentemente, relaxar para economizar recursos. Por outro lado, em um lugar desconhecido o risco de encontrar ameaças é maior, por isso o cérebro nos coloca automaticamente em estado de alerta. Isto é, ocorre um aumento na tensão e ficamos mais preparados reagir aos perigos que surgirem (comportamento de luta ou fuga).
Com o aumento de tensão e o preparo para entrar no estado de luta ou fuga, outras funções cognitivas podem ficar prejudicadas. Ou seja, ficamos momentaneamente menos inteligentes, menos criativos e até nossa memória não funciona bem. Por isso é tão comum, quando nos perdemos nos grandes centros urbanos, entrar em pânico e ficar ainda mais perdido. Quando entramos em pânico, nossa amígdala cerebral fica mais ativa e temos dificuldade de lembrar de onde viemos, de recalcular a rota e de memorizar o caminho que estamos fazendo.
E como a NeuroArquitetura pode ajudar os arquitetos a criar espaços menos desorientadores? A resposta é mais simples do que parece: nosso cérebro foi programado para viver na natureza. Ele foi feito para se localizar nesse cenário, seja através da posição do sol ou das estrelas ou de referências geográficas como um rio, uma montanha mais alta, uma grande pedra etc. Quando criamos edifícios onde os corredores são todos uniformes, retiramos qualquer referência que poderia nos ajudar a nos localizarmos. O mesmo vale para cidades nas quais as ruas e avenidas são todas muito semelhantes. Precisamos trazer essas características da natureza para os espaços que criamos. Seja através do uso de cores, texturas, layout, forma e proporção dos elementos etc, os arquitetos precisam criar características que sirvam de referência e que sejam facilmente identificadas. A orientação espacial é uma área em que a neurociência pode contribuir muito para a arquitetura. Não é à toa que ela é única área da neurociência aplicada à arquitetura que já ganhou um prêmio Nobel [5]. Por isso é fundamental que os arquitetos levem em consideração os insights da NeuroArquitetura para a criação de espaços mais fáceis de navegar. Ainda assim, como todas as áreas de neurociência aplicada, esse é um tema muito complexo e não se esgota nesse artigo. Por isso, em breve voltaremos a discutir outros aspectos da navegação espacial e sua relação com a NeuroArquitetura!
Referências: [1] Boone. A., Gong, X., Hegarty, M. (2018) Sex differences in navigation strategy and efficiency. Memory & Cognition: Volume 46, Issue 6, pp 909–922 [2] Gage, F. (2004) Structural plasticity of the adult brain. Dialogues in Clinical Neuroscience: 2004 Jun; 6(2): 135–141.
[3] O'Keefe, J., Dostrovsky, J. (1971) The hippocampus as a spatial map. Preliminary evidence from unit activity in the freely-moving rat. Brain Research: 1971 Nov;34(1):171-5. [4] Hafting, T., Fyhn, M., Molden, S., Moser, M.-B., and Moser, E.I. (2005). Microstructure of a spatial map in the entorhinal cortex. Nature, 436, 801-806.
https://www.bbc.com/news/health-29504761
Comments