Por Andréa de Paiva
Quão estressado você tem se sentido ultimamente? Quantas vezes, ao andar por uma rua lotada, você se sentiu solitário? Ou quantas vezes seu coração bateu mais forte ao se assustar com uma buzina mais alta ou com a sirene de uma ambulância? Psicólogos e neurocientistas vêm unindo forças para entender como os grandes centros urbanos podem impactar a saúde mental daqueles que os habitam. No artigo de hoje, discutiremos o que o NeuroUrbanismo pode nos ensinar sobre nossas cidades.
Diversos estudos recentes comprovam que os níveis de estresse na cidade são mais elevados do que em vilarejos ou áreas rurais. Por outro lado, previsões apontam que o número de pessoas vivendo nos grandes centros urbanos deve aumentar pelo menos até 2050, quando, segundo previsão da ONU, 68% da população mundial viverá em áreas urbanas [1]. Ou seja, cada vez mais pessoas estarão morando nas grandes cidades, fazendo com que estas cresçam ainda mais. Como consequência, a tendência é que mais indivíduos venham a sofrer com níveis de estresse elevados. Frente a essa realidade, saber que a vida na cidade é mais estressante não é o suficiente para combater isso. Precisamos ir além, discutir os porquês, entender como o organismo reage aos estímulos que nossas cidades proporcionam.
Antes de mais nada, você sabe o que é o estresse? Será que ele é sempre um vilão? A resposta é: não. O estresse é fundamental para a sobrevivência da nossa espécie. Foi graças a ele que nossos antepassados conseguiram fugir dos predadores que os ameaçavam ou lutar e defender suas famílias dos inimigos que atacavam. É o estresse que vai nos dar a força e a velocidade para fugir ou lutar nos momentos de perigo. Esse tipo de estresse pode ser chamado de estresse agudo. Ou seja, ele acontece de forma pontual e intensa, como reação à presença de alguma ameaça [2].
Atualmente, nosso estilo de vida acaba gerando em nós um outro tipo de estresse, o crônico. A ameaça de um chefe tirano, o medo de ser assaltado nas ruas, a corrida contra o relógio para fazer tudo que está na sua agenda, todos esses são fatores que geram o estresse crônico. Ao contrário do agudo, que surge pontualmente e de forma intensa, o crônico acontece em doses menores, porém de forma contínua. Afinal, nem sempre é fácil e rápido se livrar do chefe tirano.... ou andar sem medo nas ruas de uma cidade violenta.... ou ter um número menor de compromissos ao longo do dia.
Um dos hormônios liberado em maior quantidade na corrente sanguínea quando nos estressamos, é o cortisol. Ele tem um papel importante para nos ajudar no estado de fuga-ou-luta do estresse agudo. Entre outras coisas, ele melhora o sistema imune agindo como um anti-inflamatório natural, ele ajuda a controlar o metabolismo, a memória e a sensação de energia. No caso do estresse crônico, porém, quando o cortisol passa a ser liberado em doses mais altas de forma contínua, seus efeitos mudam. Ele passa a suprimir o sistema imune e a memória e a promover a síndrome metabólica e a perda de mineral nos ossos [3]. Nosso corpo e nosso cérebro não foram programados para viver sob esse estresse contínuo. E é por isso que o aumento dos níveis de estresse crônico é negativo para nossa saúde.
Ainda assim, precisamos ter em mente também que os indivíduos têm graus de vulnerabilidade diferentes. Isto é, os mesmos níveis de estresse não vão necessariamente afetar a todos da mesma forma. Por isso, é errado afirmar que a vida nas grandes cidades causa qualquer tipo de doença. A cidade interage com nosso corpo e cérebro e pode aumentar os riscos de desenvolver determinados problemas de saúde, tais como transtornos mentais (síndrome do pânico, ansiedade, depressão) [4].
Vale destacar que essa é uma equação complexa e que o ambiente (tanto físico como social) é apenas uma das variáveis que influenciam no seu resultado. Fatores genéticos, experiências e memórias pessoais e o estilo de vida de cada um também alteram os impactos da cidade nos seus cidadãos.
Mas, afinal, que elementos do espaço da cidade ajudam a aumentar os níveis de estresse? A arquitetura surge como algo diretamente relacionado ao nosso corpo, como se fosse sua extensão, assim como os passarinhos que constroem seus ninhos considerando a escala do corpo. Mas com o passar dos séculos e o surgimento de novas técnicas de construção e novos valores estéticos, essa característica tão importante foi se perdendo. Nossos edifícios hoje seguem a escala métrica, com proporções que focam na economia de recursos e otimização funcional dos espaços.
Com a arquitetura urbana, aconteceu o mesmo. Arranha-céus gigantes geram sombras enormes e impedem a vista horizonte; a largura das ruas e avenidas prioriza o carro frente ao pedestre, as longas distâncias tornam inviável uma caminhada; o adensamento excessivo das áreas centrais geram espaços públicos superlotados e dificuldade de mobilidade; o verde das plantas perde lugar para o cinza do concreto e do asfalto; a grande extensão somada à padronização das construções fazem com que as regiões percam sua identidade e a gente não saiba reconhecer e se orientar na nossa própria cidade, precisando da ajuda de um instrumento externo como o GPS. A cidade é a extensão de um corpo que nós não reconhecemos mais como nosso.
A partir do momento em que a cidade deixa de nos pertencer, ela passa a ser um território, de certa forma, desconhecido. Na natureza, a territorialidade está muito presente na vida de diversos animais. Um território conhecido, marcado, é um lugar onde se pode relaxar porque é baixa a chance de surgir uma ameaça. Já territórios desconhecidos, podem ser potenciais territórios inimigos. Dessa forma, o corpo e o cérebro se preparam para entrar no estado de luta-ou-fuga caso surja uma ameaça. Ou seja, os níveis de estresse sobem para manter o animal alerta para notar qualquer sinal importante. No caso das cidades, nós vivemos isso no nosso dia a dia. Mesmo circulando por locais que a gente já conhece, nós temos que estar sempre atentos para ameaças vindas tanto dos veículos que circulam em alta velocidade pelas ruas como das pessoas desconhecidas que estão a nossa volta.
Dessa forma, estar na cidade deixa de ser uma experiência agradável. Isso faz com que cada vez mais as pessoas ocupem menos as áreas públicas. A cidade deixa de ser um espaço de convivência com um fim em si mesmo e passa a ser apenas um espaço de transição que conecta lugares. Você sai da sua casa e vai para o trabalho e, para isso, transita pela cidade. Você combina de jantar com seus amigos e, mais uma vez, para chegar até o restaurante, a cidade é usada para transitar. Qual é uma das primeiras imagens que vem à sua cabeça quando pensa em cidades grandes? Em geral, é a de uma rua ou avenida, ou de uma malha delas. E as ruas e avenidas são espaços de transição. Sua própria disposição física indica isso. As ruas são ocupadas por carros, sobrando apenas faixas estreitas de calçada que, mesmo quando possuem bancos para os pedestres sentarem, ainda assim se configuram como espaços de trânsito e não de contemplação ou socialização.
Esses locais de transição, por sua vez, contribuem para a ausência de conexão. As pessoas estão nos espaços da cidade apenas passando, muitas vezes sem tempo de parar, contemplar e se conectar uns com os outros. Por isso é tão comum a sensação de solidão mesmo para aqueles que moram em cidades tão populosas. As pessoas mal se enxergam nas ruas, já que estas são espaços transitórios e todos tem pressa de chegar a algum lugar.
Soma-se a isso a grande concentração de pessoas nas áreas mais urbanizadas. A superpopulação é mais um elemento que pode aumentar os níveis de estresse. Na década de 60 foi feito um estudo com roedores que comparava seu comportamento quando estes viviam em gaiolas superlotadas ou quando viviam em gaiolas com uma população de tamanho normal. Os primeiros sinais notados na gaiola superpopulosa foi o aumento do estresse e da agressão. O mais interessante foi que o ecologista John B Calhoun notou que, no caso da superpopulação, as opções de luta ou fuga do animal sob estresse se reduzem a somente luta, já que não há para onde fugir do contato com os outros animais [5].
Mas, afinal, como podemos contornar a atual realidade da maioria das grandes cidades e torná-las espaços mais humanos? O primeiro passo é entender quais são as características físicas e sociais das cidades que podem impactar nos níveis de estresse. O segundo passo é informar e comunicar. Assim como nas embalagens de cigarro estão presentes informações sobre os riscos do seu uso, as pessoas que habitam grandes centros urbanos devem estar cientes dos riscos que correm [4]. O terceiro passo, por sua vez, é repensar os espaços urbanos, o que demora muito mais tempo para ser aplicado. Na maioria das vezes a transformação urbana não é simples: ela envolve muito planejamento, investimentos e, também, uma mudança de hábitos da população. Por isso, não é viável reconstruir e reformular a cidade inteira. Pequenos espaços de localização estratégica devem ser selecionados e, de início, apenas nestes locais haverá a transformação e a criação de lugares mais humanizados, que sirvam de respiro e descompressão para os cidadãos. A seleção desses ambientes deve ser bem distribuída no território urbano, facilitando o acesso das pessoas em qualquer ponto da cidade e fornecendo espaços suficientes para que o número de cidadãos em cada área fique equilibrado, evitando superlotação. A partir desses espaços a cidade pode voltar a se conectar com seus habitantes, deixando de ser um espaço de transição para ser um lugar com identidade própria.
Os insights do NeuroUrbanismo são muitos e não se esgotam no que discutimos até aqui. Por isso, em breve voltaremos a analisar outras questões relacionadas ao tema e que podem ajudar arquitetos e urbanistas a enfrentar esse desafio!
Referências: [1] United Nations (2018)
Comments