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NeuroArquitetura em Tempos de Enclausuramento

Por Andréa de Paiva


**esse artigo inspirou a reportagem do Jornal da Band do dia 21/04/2020. O vídeo está disponível ao final do artigo.


Os acontecimentos recentes com a disseminação do COVID-19 e a adoção de políticas de isolamento social e quarentena mudaram a forma como nos relacionamos com nossa residência. O enclausuramento imposto fez com que muitos tivessem que aprender a trabalhar de casa em funções que antes eram feitas em espaços adaptados para elas. Reuniões presenciais passaram a acontecer por vídeo conferência. Professores tiveram que aprender a ensinar à distância. Alunos tiveram que aprender a estudar longe de um ambiente de ensino. Famílias que antes se encontravam apenas durante o café da manhã e o jantar passaram a conviver confinadas num mesmo espaço. Pais tiveram que aprender a manter seus filhos entretidos por horas, dias, semanas. Casais tiveram que aprender a respeitar ainda mais o espaço do outro. E tudo isso aconteceu em apenas algumas semanas, sem tempo de muito preparo. Neste cenário de tantas mudanças tão rápidas, que insights a NeuroArquitetura nos traz?


Image by Free-Photos from Pixabay


Como você escolheu o lugar aonde mora? Talvez você o tenha escolhido pelo preço mais acessível, ou pela localização próxima ao trabalho. Ou talvez aquela varanda gourmet fez você sonhar com deliciosas reuniões com amigos e familiares queridos. Ou a área de lazer fez você pensar que seus filhos teriam bastante espaço para brincar. O fato é que quando escolhemos nossas residências, não pensamos que viveríamos nelas algumas semanas de enclausuramento imposto. E, nessas condições, características que antes faziam tanto sentido, durante esse período podem não fazer muita diferença.


A angústia de lidar com a incerteza de um momento de guerra contra um inimigo invisível tende a gerar um aumento considerável da ansiedade e do stress. Mas, mesmo desconsiderando essa situação, o simples fato de ter que ficar em casa, em isolamento social e mantendo a produtividade já é o suficiente para gerar bastante desconforto. Além disso, nossas residências, de maneira geral, não foram projetadas para uma ocupação contínua. Nesse cenário, a NeuroArquitetura pode nos ajudar a compreender quais características do ambiente têm maior chance de nos impactar negativamente ao longo de uma ocupação contínua.


A NeuroArquitetura e as diferentes pesquisas sobre como o ambiente nos afeta vêm nos mostrando que o tempo de ocupação destes espaços é uma variável importante para entendermos os efeitos que eles podem gerar. O ambiente pode gerar dois tipos principais de efeito no nosso organismo: efeitos de curto prazo, que são aqueles mais imediatos e efêmeros, e efeitos de longo prazo, que são mudanças mais estruturais que demoram mais para acontecer e também persistem por mais tempo [1]. No curto prazo, o nosso organismo se adapta rapidamente às condições do meio onde se encontra e, como consequência, nós podemos sofrer alterações no humor ou nas emoções, mudanças de comportamentos e até mesmo na forma como percebemos o próprio espaço onde estamos. Estímulos repetitivos ou contínuos, por sua vez, podem gerar outros efeitos, tais como alterações na plasticidade cerebral como o reforço, a perda ou o ganho de conexões entre os neurônios, alterações no processo de neurogênese, na expressão gênica, entre outros.


Estudos realizados desde a década de 1960 pelos pesquisadores Mark Rosenzweig, Edward Bennett e Marian Diamond revelam a importância de algumas características ambientais para que o cérebro não perca eficiência. Eles compararam os cérebros de ratos que viviam em gaiolas enriquecidas (grupos de 12 ratos em gaiolas maiores, com vários brinquedos que eram trocados regularmente), gaiolas-padrão (gaiola tradicional com apenas 3 ratos) ou gaiolas empobrecidas (gaiola tradicional com apenas 1 rato por gaiola). O trio de cientistas percebeu que enquanto os cérebros dos roedores da gaiola enriquecida apresentaram aumento de peso e de espessura frente aos da gaiola padrão, os cérebros daqueles da gaiola empobrecida tinham diminuído. O desempenho dos três grupos de ratos também foi testado em tarefas que exigiam aprendizado e memorização e o grupo da gaiola enriquecida foi o que obteve maior sucesso nos testes [2].



Os pesquisadores repetiram o mesmo experimento em várias condições na busca de conseguir entender que fatores eram fundamentais para a manutenção dos resultados positivos apresentados pelos ratos da gaiola enriquecida. Finalmente, eles conseguiram definir quatro fatores fundamentais: tamanho do espaço, convívio social, exercício físico e mudança. Ratos confinados em espaços muito pequenos sofrem aumento considerável nos níveis de stress, o que, no longo prazo, prejudica a saúde dos neurônios existentes e inibe o processo de neurogênese. O convívio social é uma característica fundamental para a manutenção da saúde cerebral. Inclusive, eles perceberam que ratos que eram mais manuseados recebendo carinho dos cientistas tinham vidas mais longas do que os ratos menos tocados. O exercício físico, principalmente a caminhada, é extremamente importante para o controle dos níveis de estresse e para o estímulo da plasticidade dos neurônios e da neurogênese. Finalmente, se o ambiente enriquecido é sempre igual, depois de um tempo ele deixa de ter o impacto positivo que teve no início, por isso os brinquedos dos ratos eram trocados regularmente, é preciso que haja mudança [3].


Apesar dos estudos realizados pelo trio não terem sido feitos com humanos, várias outras pesquisas apontam que esses quatro fatores também são importantes para nós. Contudo, na atual condição de enclausuramento imposto, nós passamos a ocupar ambientes não tão grandes dependendo do tamanho da casa de cada um; o convívio social passa a ser muito baixo, apenas com aqueles que já moram com a gente ou através de vídeo conferências; a prática de exercício físico fica limitada a algum improviso que a gente consiga fazer em casa; e a mudança de ambiente se resume às poucas vezes que saímos de casa para ir ao mercado. Por isso, fica tão difícil manter a paciência e a produtividade.


Contudo, existem várias estratégias que podem ser adotadas para contornar essa situação. Tendo como base esses quatro fatores destacados, nós podemos adotar algumas práticas bastante simples e úteis. Se o tamanho do ambiente importa, mas nós não podemos sair de casa, nós podemos tentar aproveitar aquilo que temos na nossa própria residência. Uma primeira ideia é mudar de ambiente dentro de casa, escolhendo aqueles mais amplos para passar uma boa parte do dia. Vale destacar que esse é o momento de aproveitar ao máximo janelas e varandas (para quem tiver uma!). Mesmo que sua casa seja pequena, se você ficar próximo à janela e olhar a paisagem, isso já vai dar uma sensação de amplitude! Além disso, na janela ou na varanda você vai conseguir receber mais luz natural, que é fundamental para a manutenção do nosso ciclo circadiano, e também poderá se sentir mais próximo da natureza ao perceber o vento batendo no rosto ou ao olhar o céu! Criar uma rotina ao longo do dia também é importante, com horas bem definidas para o trabalho e, claro, para o exercício físico! Não importa a falta de espaço e equipamento, é hora de ser criativo! Uma alternativa é caminhar dentro de casa mesmo. Outra é apagar as luzes, aumentar o som e dançar no escuro, isso vai ajudar a liberar dopamina e serotonina e a melhorar seu humor! Finalmente, nós podemos aproveitar o enclausuramento para nós mesmos mudarmos o nosso ambiente! Além de mudar o layout dos ambientes, alterar a decoração, pegando aqueles enfeites que estão guardados no fundo do armário e trocando com os que estão expostos são algumas possibilidades! Para quem tem criança, uma ideia é aproveitar esse momento para fazer uma bagunça saudável, montar uma barraca de acampamento na sala ou um circuito com obstáculos no corredor, improvisando com o que tiver disponível! Neste momento, o que importa é tentar tirar o melhor dele, ficar seguro e manter o corpo e a mente saudáveis!


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Veja a reportagem do Jornal da Band inspirada neste artigo:


Referências:


[2] Rozenzweig, M., Bennett, E., Diamond, M. (1972) Brain Changes in Response to Experience. Scientific American 1972 February; 226(2): 22-29

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