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O Futuro dos Escritórios: insights da NeuroArquitetura para o pós-pandemia

Por Andréa de Paiva


Com a chegada da pandemia e as políticas de contenção, empresas e colaboradores tiveram que se adaptar rapidamente. Home-office e escritórios com menor capacidade, respeitando o distanciamento social, passaram a fazer parte da realidade de muitas empresas. Mas, afinal, o que vai acontecer com os escritórios no pós-pandemia? Quais são as mudanças que serão mantidas? O que esse período de isolamento social pode nos ensinar sobre os ambientes de trabalho? No artigo de hoje, vamos responder algumas dessas perguntas sob a ótica da NeuroArquitetura.

Futuro dos Escritórios
Image by Gino Crescoli from Pixabay

Todas as mudanças e adaptações desse período de pandemia estão servindo, entre outras coisas, para refletirmos mais sobre como utilizamos nossos espaços. Velhos hábitos e rotinas de trabalho tiveram que ser alterados rapidamente. E, no meio do caos, nós percebemos que é possível fazer as coisas funcionarem de outras formas. As soluções que costumávamos adotar não eram as únicas possíveis, existem alternativas afinal.


Velhos problemas como as horas perdidas no trânsito para chegar até o trabalho deixaram de nos atormentar. Esse tempo passou a ser melhor aproveitado. A liberdade de poder trabalhar mais à vontade em casa também tem sido valorizada. Ainda assim, muitos estão notando uma queda de produtividade que, à primeira vista, parece não fazer muito sentido se o tempo está sendo melhor aproveitado. Essa combinação de fatores ajuda a ilustrar que trabalhar de casa, assim como do escritório, tem seus prós e contras.


Antes de mais nada, um dos grandes benefícios do home-office é o aumento do controle sobre nossas próprias vidas. Não há como negar que, para muitas pessoas, o home-office permite maior flexibilidade. Poder escolher entre diferentes opções de acordo com as necessidades do momento, por sua vez, aumenta a sensação de autonomia. A percepção de controle é um fator importante para a manutenção do bem-estar. Judith Rodin e Ellen Langer, por exemplo, perceberam que maior autonomia dada aos idosos internados numa casa de cuidados resultou no aumento dos níveis de felicidade, de envolvimento em atividades de grupo, de proatividade e de sociabilidade. Além de uma melhora da saúde geral, os idosos com maior autonomia também apresentaram uma taxa de mortalidade mais baixa, o que aponta para uma possível relação entre a sensação de controle e a expectativa de vida [1]. O neurocientista David Rock também destaca os impactos da sensação de controle no mundo corporativo. Segundo ele, a percepção de autonomia é um importante elemento para manter os colaboradores motivados [2]. Nesse sentido, rotinas mais flexíveis e o aumento da percepção de controle, ambos intensificados com o home-office, podem ser bastante positivos.

Isso quer dizer então que o home-office vai substituir o escritório? Não. Algumas características importantes do ambiente de trabalho não são tão facilmente substituídas. Sob a ótica da NeuroArquitetura, a conexão social, a diferenciação de espaço de trabalho versus espaço de morar, as memórias afetivas relacionadas a cada um deles, as oportunidades de ativação do corpo que encontramos ao sair de casa e explorar o ambiente do escritório e a criação de novas memórias são alguns fatores que afetam diretamente a performance e o bem-estar e dependem da presença dos escritórios para serem mantidos.


Apesar do tempo que "perdemos" no trânsito para ir e voltar, o fato do escritório estar fisicamente separado da nossa casa tem um lado positivo. Como discutimos no nosso artigo NeuroArquitetura em Tempos de Enclausuramento, mudança e estímulo ao movimento são duas qualidades do ambiente com forte impacto na plasticidade cerebral. Circular pelo escritório, andar até o carro ou até o metrô, ir até o restaurante na hora do almoço, todas essas atividades que podem parecer dispensáveis, no fundo são importantes para que a gente mantenha o cérebro estimulado. Vale lembrar que nosso cérebro não teve tempo evolutivo para se adaptar à vida nas cidades e, muito menos, à vida na cidade em época de isolamento social. Corpo e cérebro evoluíram em meio à natureza e seus estímulos sensoriais, suas mudanças constantes de acordo com o passar do tempo e suas oportunidades para um corpo muito mais ativo.


O distanciamento físico do espaço de trabalho também nos ajuda a ativar um estado mental diferenciado que contribua para melhor produtividade. Nossa casa, cheia de memórias afetivas, é um espaço projetado para atividades diferentes daquelas que executamos no trabalho. Nós estamos em casa, entre outras coisas, para socializar com a família, para relaxar e descansar. É muito mais difícil se concentrar em qualquer atividade de trabalho num ambiente que não é propício. Mas, mais do que isso, o ato de mudar ativamente de ambiente, de deixar um lugar e ir para o outro, também contribui para a mudança do estado mental, para que o cérebro entre num "modo de trabalho" diferente. O afastamento físico ajuda o afastamento mental, facilitando a pausa no "modo família" e a entrada em outros modos, como o reunião, o criação ou o pensamento analítico, por exemplo. A mudança ativa de ambiente funciona, de certa forma, como uma estratégia de aquecimento, de preparo do cérebro para aquilo que ele vai enfrentar na sequência.


Estabelecer uma boa conexão entre pessoas e com a empresa é muito mais difícil à distância. Reuniões virtuais não substituem um aperto de mão, um abraço, o papo descontraído na hora do café, a troca de sorrisos quando as pessoas se cruzam nos corredores. Além disso, grande parte da troca de informações que é tão importante para as empresas acontece de maneira informal no ambiente do escritório e não apenas durante as reuniões. E, virtualmente, esses encontros mais informais deixam de acontecer. Um encontro presencial é sensorialmente muito mais rico, com maior potencial de gerar impactos emocionais mais fortes, o que é um importante elemento para a formação de memórias.


Atualmente uma das regiões cerebrais mais estudadas na neurociência é o hipocampo. Já sabemos que essa região, localizada no sistema límbico, participa de várias atividades cerebrais importantes. Ele tem papel fundamental na formação de memórias explícitas de longo-prazo [3]. Nós só conseguimos memorizar experiências novas por conta da contribuição do hipocampo. Um outro fato marcante sobre o hipocampo é que ele também participa diretamente nos processos de orientação e navegação espacial (wayfinding) [4].


Vale destacar aí o cruzamento dessas duas funções básicas: a formação de memórias de longo-prazo e o wayfinding. Apesar de não termos todas as respostas sobre o cérebro, fica claro que o envolvimento de uma mesma região nesses dois processos não é apenas uma coincidência. A memorização e o ambiente onde ela acontece são informações processadas por redes neuronais que devem se sobrepor em diversos pontos [5]. Por isso, esse período de isolamento em casa tem potencial para afetar nossa capacidade de memorizar os episódios vividos ao longo dele. Lembrar das pessoas que conhecemos virtualmente numa reunião ou lembrar quando e para quem apresentamos um determinado conteúdo vai ser mais desafiador do que quando vivíamos essas experiências em lugares diferenciados.


Relembre situações marcantes que você viveu ao longo da vida: o primeiro beijo, uma viagem com amigos, um jantar com a família toda reunida, o primeiro emprego, todas essas lembranças não estão apenas associadas aos fatos, mas também aos lugares em que elas aconteceram [6]. O estímulo do ambiente é um fator importante para a memorização. É como o cenário para uma peça de teatro. Se diferentes peças forem sempre encenadas no mesmo cenário (nesse caso, nossa casa), o impacto emocional e a diferenciação entre elas serão muito menores. Estudos como o do vencedor do Nobel Eric Kandel apontam que um elemento importante para a formação de novas memórias é a intensidade emocional (por isso lembramos tão facilmente de situações traumáticas!) [7]. Mas a intensidade emocional das nossas experiências se reduziu aos estímulos das plataformas virtuais e aos estímulos contínuos da nossa casa. Uma reunião de venda para o cliente acontece no mesmo cenário da revisão de um relatório ou da aula da pós ou ainda, para alguns, no mesmo cenário da janta ou do café da manhã.


Por tudo isso, sob a ótica da NeuroArquitetura, o futuro dos escritórios deverá contar com uma flexibilização das alternativas, mas eles não deixarão de existir. Trocaremos quantidade de horas no escritório por mais qualidade do tempo que passaremos por lá. Isto é, o home-office deverá ser incorporado à rotina dos colaboradores, o que diminuirá o tempo de ocupação dos escritórios. Por outro lado, o tempo que passarmos nestes ambientes será melhor aproveitado. Mais do que isso, é possível que o escritório passe a ser reconhecido por seu papel na manutenção da saúde e do bem-estar dos colaboradores. Afinal, como vimos, o ambiente do escritório afeta muito mais do que apenas a nossa produtividade. Por isso, a tendência é que no futuro, os escritórios sejam projetados levando ainda mais em consideração esse papel. A produtividade sem o bem-estar não é duradoura. Soluções arquitetônicas que consigam estimular ambas serão cada vez mais valorizadas, como é o caso do design biofílico [8]. Por fim, neste novo cenário, as contribuições da NeuroArquitetura serão ainda mais relevantes para que arquitetos, designers e as próprias empresas tenham maior conhecimento sobre como o ambiente pode afetar seus usuários.



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Referências:


[1] Langer, E., Rodin, J. (1976) The effects of choice and enhanced personal responsibility for the aged: A field experiment in an institutional setting. Journal of Personality and Social Psychology 34(2):191-8


[2] Rock, D. (2008) SCARF: a brain-based model for collaborating with and influencing others. NeuroLeadership Journal. issue one


[3] Thompson, R., Kim, J. (1996) Memory systems in the brain and localization of a memory. PNAS November 26, 1996 93 (24) 13438-13444


[4] O'Keefe, J., Dostrovsky, J. (1971) The hippocampus as a spatial map. Preliminary evidence from unit activity in the freely-moving rat. Brain Research: 1971 Nov;34(1):171-5.


[5] Nadel, L., Payne, J. (2001) Chapter: The Hippocampus, Wayfinding and Episodic Memory. The Neural Basis of Navigation pp 235-247


[6] Hopkin, M. (2004) Link proved between senses and memory. Nature.


[7] Kandel, E. (2006) In search of memory The emergence of a new science of mind.

W.W. Norton & Company.: New York, New York, USA.


[8] Paiva, A. (2020) NeuroArquitetura e Design Biofílico. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Rzkb-b_N0Bo




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