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Ambientes para Crianças: o que a NeuroArquitetura pode nos ensinar

Por Andréa de Paiva



Você já parou para pensar os efeitos que o ambiente físico pode gerar na gente não necessariamente serão os mesmos gerados numa criança? Ao longo do desenvolvimento, o cérebro passa por uma série de intensas transformações. Por isso, sua vulnerabilidade aos estímulos do espaço ao seu redor se altera nos diferentes períodos da infância e adolescência. No artigo de hoje, vamos falar sobre como a NeuroArquitetura pode nos ajudar a entender melhor algumas das particularidades do cérebro em desenvolvimento para criarmos ambientes melhores para crianças.


NeuroArquitetura, crianças e ambientes infantis
Imagem de Daniela Dimitrova por Pixabay

Ao estudar o cérebro e o comportamento, é importante ter em mente que o processo de desenvolvimento transforma o nosso cérebro e seu funcionamento significativamente com o passar do tempo. Nesse sentido, os efeitos que um mesmo ambiente pode gerar em jovens adultos não serão necessariamente os mesmos gerados em crianças (ou em idosos!). Mais do que isso, o cérebro não se desenvolve de maneira uniforme ao longo da infância.


O que a neurociência vem mostrando é que ele apresenta diversas "janelas de desenvolvimento", ou "períodos sensíveis", em que diferentes sistemas neuronais amadurecem [1]. Ou seja, as crianças não serão sempre afetadas da mesma maneira pelo ambiente. Dependendo da idade, o cérebro estará em uma etapa diferente do desenvolvimento. Por exemplo, apenas entre os 4 e 5 anos de idade as crianças começam a aprender que outras pessoas têm sentimentos e pensamentos diferentes dos seus, o que é conhecido como theory of mind [2].


Em relação ao ambiente, crianças mais novas até conseguem construir uma representação mental de espaços conhecidos, mas a habilidade de integração entre as diferentes partes dessa representação ainda não está desenvolvida. Por isso, eles têm dificuldade em utilizar estratégias de navegação como a seleção de marcos ou mesmo um mapa para navegar em locais não conhecidos. Apenas por volta dos 12 anos as crianças refinam suas estratégias de orientação e navegação espacial [3]. Portanto, ao criar ambientes complexos como escolas e hospitais infantis, é importante pensar em diferentes pistas sensoriais que possam ajudar as crianças a se sentirem seguras e a conseguirem navegar com certa independência pelo espaço. Isso não só facilita a utilização destes espaços, mas também pode contribuir para que a criança seja estimulada e desenvolva melhor as habilidades de navegação.


Vale mencionar que apesar dos elevados níveis de plasticidade ao longo dessas janelas desenvolvimento, o nosso cérebro mantém parte da sua capacidade de transformação ao longo da vida. O "período sensível", contudo, representa uma sensibilidade ainda maior aos estímulos do meio, possibilitando que alguns sistemas neuronais sejam moldados pela experiência dos indivíduos.


Para a aplicação da NeuroArquitetura em ambientes infantis, precisamos ter em mente, antes de mais nada, que o desenvolvimento de algumas áreas relacionadas ao processamento sensorial só acontece se forem recebidos os estímulos adequados. Por exemplo, os vencedores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1981, David Hubel e Torsten Wiesel, descobriram que ao tampar os olhos de gatinhos recém nascidos ao longo do período pós-natal leva ocorre uma alteração de alguns padrões básicos de funcionamento do córtex visual, resultando na inabilidade de enxergar mesmo depois da remoção do tampão [4]. Determinadas habilidades dependem da experiência para que o cérebro se desenvolva normalmente, principalmente no período pós-natal. Isto é, nós precisamos de alguns estímulos básicos durante determinadas janelas de sensibilidade para garantir o desenvolvimento adequado do cérebro [6]. Caso a gente não receba esse estímulo a tempo, as áreas do cérebro que precisavam dele para amadurecer não se desenvolvem como deveriam. Os estudos de Hubel e Wiesel com os filhotes de gato ilustram essa situação.


Por outro lado, o professor Stanley Graven percebeu que o excesso de estimulo nas UTIs neo-natal era prejudicial para o desenvolvimento dos bebês, principalmente os prematuros. Antes, as UTIs eram projetadas com foco nas necessidades das enfermeiras e médicas. Isto é, a iluminação era forte para que qualquer alteração nos bebês fosse notada. E o barulho de máquinas como o ar-condicionado e dos auto-falantes era constante. Mas esse excesso de estímulo contínuo, no caso dos recém nascidos, poderia prejudicar o desenvolvimento dos sentidos da visão e audição, resultando em menor eficiência deles ao longo da vida [5].


O pesquisador William Greenough, por sua vez, ao estudar o cérebro em desenvolvimento, percebeu que criar animais do laboratório em gaiolas empobrecidas (gaiolas no modelo padrão dos laboratórios) ou em gaiolas enriquecidas (gaiolas maiores onde é mantida toda a ninhada, com brinquedos trocados regularmente) afeta o desenvolvimento de várias estruturas e funções cerebrais. Animais criados em ambientes complexos apresentam córtex mais denso, aumento no número de células de suporte aos neurônios (como as células glia) e até mesmo aumento da complexidade do sistema vascular cerebral [7]. Mais do que isso, muitos dos efeitos da criação no ambiente complexo persistem mesmo quando o animal é devolvido a condições mais pobres. Ou seja, é importante garantirmos que os ambientes em que as crianças vão passar mais tempo, como a escola e o quarto, por exemplo, sejam ricos de estímulos que contribuam para um desenvolvimento saudável.


Os ambientes onde as crianças são criadas e se desenvolvem também têm uma outra importante função: apoiar a criação de um senso de identidade. É durante a infância e adolescência que vamos formando nosso banco de memórias básico que influenciará nosso comportamento ao longo da vida. Parte dessas memórias integrarão o nosso self-autobiográfico [8], que é a nossa autobiografia, a história que conhecemos de nós mesmos. Ambientes enriquecidos sensorialmente podem ajudar a criarmos memórias mais fortes, que se mantenham mais vivas ao longo da nossa vida. É importante que os ambientes sejam desafiadores, estimulem os sentidos e dêem vontade de explorar. Mas, ao mesmo tempo, é preciso que as crianças se sintam seguras nesses espaços, dado que o stress crônico afeta o desenvolvimento. É importante também que a arquitetura estimule não apenas o cérebro, mas também o corpo da criança. Um corpo ativo, que se movimenta pelo ambiente, é fundamental para a saúde mental e física de adultos e crianças.


neuroarquitetura e ambientes para crianças

Os arquitetos e designers que projetam espaços para crianças, sejam estes residências, escolas ou hospitais, precisam ter em mente que as crianças têm necessidades diferentes das dos adultos. É importante ter conhecimento sobre o desenvolvimento e empatia para saber ver o mundo através dos olhos das crianças. A percepção, as emoções e a cognição de um indivíduo em desenvolvimento são diferentes dos adultos. Crianças de diferentes idades têm necessidades diferentes e também perceberão um mesmo ambiente de maneira distinta. Isto não apenas porque sua estatura é mais baixa do que a de um adulto, o que muda sua percepção visual do meio, mas também porque ela está desenvolvendo suas habilidades, seus sentidos e criando seu banco de memórias e seu senso de identidade. Por último, os edifícios e ambientes que criamos não servem apenas para abrigar de maneira segura e confortável o público infantil: eles também servem para apoiar o desenvolvimento de habilidades e memórias que acompanharão os indivíduos ao longo de toda sua vida.



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Referências:


[1] Hensch, T. (2004) Critical Period Regulation. Annual Review of Neuroscience2004 / 07 Vol. 27; Iss.1



[3] Newscombe, N., Huttenlocher, J. (2000) Making Space: The Development of Spatial Representation and Reasoning. The MIT Press.


[4] Hubel, D., Wiesel, T. (1964) Effects of monocular deprivation in kittens. Naunyn-Schmiedeberg's Archives of Pharmacology1964 / 08 Vol. 248; Iss. 6


[5] EBERHARD, J. (2008) Brain Landscape The Coexistence of Neuroscience and Architecture. Oxford University Press, USA.


[6] Greenough, W., Black, J., Wallace, C. (1987) Experience and brain development. Child Dev. 1987 Jun;58(3):539-59.


[7] Stiles, J., Jernigan, T. (2010) The Basics of Brain Development. Neuropsychol Rev. 2010 Dec; 20(4): 327–348.


[8] Damásio, A. (1999) The Feeling of What Happens. Harcourt Brace.

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